Eu desejei a liberdade como alguém que estivesse de fato preso. Mas ainda por ter sido privada sem o cometimento de crime. E acrescido da tortura que é a dor e o desconforto. Assim, por dias e dias, só fiz olhar uma janela, e desejar estar fora. Sentir o sol, o vento, o pé no chão.
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Sai do confinamento e me vi de volta num mundo ainda mais atingido pela pandemia. Do meu primeiro dia em casa até agora uma escalada de mortes pela COVID, falta de leitos, e tanto sofrimento. Assim, a vida fora estava substituída pela privação coletiva da liberdade, certamente um dos poucos remédios para a doença que nos aflige. E nunca foi tão fácil para mim ficar em casa.
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Em casa tive o alento infinito da presença de meus filhos. Tive o sol na varanda e as plantas no terrário. Tive o conforto das coisas que só percebemos quando temos pouca escolha; como alimentos, horários, e um mínimo de autonomia e privacidade. Como faziam falta na internação! Estar em casa foi alegria, confirmando a máxima de que tudo é relativo.
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E só agora encontrei de fato aquela sensação que ansiava lá no hospital. Pé no chão, o mar ao longe e o vento. Mesmo sem poder pisar na praia ou por o pé na água, de novo, considerando a relatividade das coisas, me senti extremamente privilegiada e grata.
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Espero não perder esse prazer das pequenas coisas que está veemente em mim. Parece um presente que ganhei disso tudo, precioso e raro. Um presente que cabe a mim conservar. E se conseguir, distribuir àqueles que eu puder e que estiverem dispostos a ouvir e compreender.